priscila cleto
2 min readSep 30, 2020
Clarice Lispector não com seu livro grande e grosso, mas com sua máquina de escrever.

acho que eu tinha uns 13 anos. não foi o primeiro que li, já conhecia Laços de Família pois lera na escola.

mas foi o primeiro que encontrei depois de sair daquela aula de língua portuguesa. foi o título que me chamou a atenção, confesso. me causou impacto algo como a felicidade, que deve ser tida por direito, ser clandestina.

foi a narrativa que transbordou em mim cada sentimento escrito. e narrativas precisam ser assim: te fazer sentir cada sentimento que ali estiver descrito.

o livro, grande, grosso e de capa dura, que estava na história, eu havia lido três anos antes, na quarta série. e lembro de ter lido com a mesma intensidade da qual ela falava.

a cada ida na casa da colega, filha de dono de livraria, alimentava em mim uma angústia. mas também me fazia pensar sobre os motivos da menina agir assim. eu queria entende-la. mas também queria xinga-la.

talvez esse seja o conflito que explique a clandestinidade. quando se tornou possuidora do livro, depois das tentativas insistentes e ansiosas, já não fazia mais sentido. e isso explodia por dentro de si -e de mim; de modo confuso.

comprimia-lhe a capa dura do livro grande contra o peito. fechava-o e fingia esquecer que estava em seu poder, pra que de alguma forma pudesse surpreender-se com a sua presença. com a sua posse.

em vão.

era tarde demais.

a clandestinidade havia engolido a felicidade.

eu cheguei ao fim e tudo que desejava era olhar nos olhos dela. não da menina, mas da mulher escritora. não sei se queria dizer-lhe algo, mas queria olhar nos olhos. sem poder fazer isso, eu reli. e depois li de novo. e de novo. e mais uma vez. lia em voz alta. lia antes de dormir. mudava as entonações das vozes, fingia ser ela, fingia ser a menina, fingia ser a narradora.

repito isso até hoje. e me surpreendo com o que sinto.

até hoje.

priscila cleto

onde tudo pode acontecer, inclusive nada. escrevo porque viver dói